Tales de Mileto

1. Vida e Obra

Tales de Mileto (624 a.C. – 546 a.C.) é amplamente reconhecido como o primeiro filósofo da tradição ocidental. Nascido na cidade de Mileto, na Jônia (atual Turquia), foi um dos Sete Sábios da Grécia, destacando-se não apenas na filosofia, mas também na matemática, astronomia e engenharia.

Tales de Mileto: O Primeiro Filósofo da História


Sua vida é envolta em lendas, e muitas de suas realizações foram transmitidas por fontes posteriores, como Aristóteles (Metafísica, I, 3, 983b) e Diógenes Laércio (Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, I, 22-43). Ele teria predito um eclipse solar em 585 a.C., conforme relatado por Heródoto (Histórias, I, 74), e demonstrado grande habilidade prática, acumulando riqueza ao prever a abundância de azeitonas e investir em prensas de azeite (Política, Aristóteles, 1259a).

Não há obras escritas atribuídas diretamente a Tales, e seus pensamentos foram preservados através da tradição oral e de relatos de filósofos posteriores.


2. Método

Tales inaugurou um método de investigação baseado na observação e na racionalidade, afastando-se das explicações míticas tradicionais. Ele buscou compreender a natureza (physis) por meio de causas naturais, sem recorrer a narrativas divinas ou sobrenaturais, marcando a transição do pensamento mitológico para o filosófico.

Seu método consistia na formulação de hipóteses gerais sobre o mundo e na tentativa de justificá-las racionalmente, um precursor do que viria a ser o método científico. Segundo Aristóteles, Tales foi o primeiro a questionar qual seria o princípio fundamental (arché) que dá origem a todas as coisas.


3. Princípios Filosóficos

Tales propôs três ideias fundamentais que moldariam a filosofia ocidental:

  1. A Água como Princípio Fundamental (Arché)
    Tales acreditava que a água era o elemento primordial do universo. Para ele, tudo emerge da água e nela retorna, uma ideia que pode ter sido inspirada na observação da umidade essencial à vida. Aristóteles afirma que Tales fundamentou essa tese na constatação de que “o nutrimento de todas as coisas é úmido” (Metafísica, 983b).
  2. O Mundo como um Organismo Vivo
    Tales via a natureza como algo animado, atribuindo-lhe uma alma (psyché). Essa concepção, conhecida como hilozoísmo, sugere que a matéria possui vida inerente, um pensamento que ecoaria na filosofia estoica.
  3. A Unidade do Cosmos
    Diferente das explicações fragmentadas dos mitos, Tales propôs que a realidade é unificada por um princípio único e inteligível. Sua busca pela unidade da natureza influenciaria toda a metafísica posterior.

4. Cosmologia

A cosmologia de Tales, embora rudimentar, estabeleceu uma nova maneira de compreender o universo. Ele imaginava a Terra como um disco flutuando sobre a água e defendia que todas as transformações naturais eram resultado da ação da água em diferentes estados.

Mesmo que sua concepção tenha sido posteriormente refutada, a tentativa de explicar o cosmos com base em um princípio físico inaugurou o pensamento científico e filosófico.


5. Conhecimento

O conhecimento, para Tales, não deveria depender apenas da tradição ou da autoridade religiosa, mas sim da observação empírica e do raciocínio lógico.

Ele se destacou na matemática, sendo creditado como um dos primeiros a formular teoremas geométricos, como o Teorema de Tales, essencial para a trigonometria. Segundo Proclo (Comentários sobre Euclides), Tales teria trazido o conhecimento geométrico do Egito e sistematizado algumas de suas regras.

Na astronomia, Tales previu um eclipse solar e estudou a natureza das estrelas e planetas, demonstrando que os fenômenos celestes podiam ser compreendidos racionalmente.


6. Valor

O pensamento de Tales tem um valor incalculável na história da filosofia, pois:

  • Introduziu o conceito de arché, que guiaria toda a filosofia natural até Aristóteles.
  • Foi um dos primeiros a racionalizar a natureza, criando uma alternativa ao pensamento mítico.
  • Abriu caminho para a matemática como uma disciplina independente da religião, servindo de base para Pitágoras e Euclides.

Além disso, sua ênfase na unidade subjacente da realidade influenciaria pensadores posteriores, como Heráclito e os pré-socráticos.


7. Influência

A influência de Tales é profunda e perpassa várias áreas do conhecimento:

  • Na filosofia, ele inaugurou a tradição filosófica ocidental e influenciou pensadores como Anaximandro e Anaxímenes, seus sucessores na Escola de Mileto.
  • Na ciência, seu pensamento racionalista inspirou o método empírico de Aristóteles e a tradição científica grega.
  • Na matemática, seu trabalho com proporções e ângulos foi essencial para o desenvolvimento da geometria.
  • Na astronomia, ele introduziu a ideia de que os fenômenos naturais podem ser explicados por leis racionais, uma base para a ciência moderna.

Até mesmo na filosofia moderna, a busca por um princípio fundamental da realidade continua, como na física quântica e na teoria das supercordas, que buscam uma unidade subjacente a toda matéria.


8. Adendo

Tales de Mileto nos ensina que a busca pelo conhecimento exige curiosidade, racionalidade e independência de pensamento. Ele foi o primeiro a perguntar não quem criou o mundo, mas como ele funciona, uma mudança de perspectiva que ecoa até hoje.

Pergunto: quantos de nós ainda nos apegamos a explicações dogmáticas sem questioná-las? E ao fazer isso, quantos deixamos de explorar as possibilidades infinitas que a razão nos oferece? Talvez seja hora de adotar o espírito de Tales e buscar compreender o mundo não por meio do medo ou da tradição, mas da investigação racional e da coragem de pensar por nós mesmos.


Bibliografia

KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. The Presocratic Philosophers. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.

ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. Giovanni Reale. São Paulo: Loyola, 2012.

DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Trad. Mário da Gama Kury. São Paulo: Edipro, 2007.

HERÓDOTO. Histórias. Trad. Mário da Gama Kury. São Paulo: Edipro, 2014.

PROCLo. Comentários sobre Euclides. Trad. Glenn R. Morrow. Princeton: Princeton University Press, 1970.

BURNET, John. Early Greek Philosophy. Londres: A. & C. Black, 1892.